quinta-feira, 31 de março de 2011

INSÔNIA

"O oposto do amor não é o ódio, mas a indiferença”.


Ellie Wiesel



INSÔNIA


Tenho insônia. Desde quando? Não sei precisar, penso que desde sempre. Talvez quando deixei a mamadeira, fraldas, lancheira, mochila de escola e bonecas embrulhadas com fronhas de travesseiros gastos.

Perder e não achar mais o sono não é tão desesperador assim! Moro numa avenida com ruídos típicos que a caracteriza sobremaneira com relação as demais avenidas da cidade. É certo, existem momentos mais intensos e de trânsito extenso às vésperas de feriados prolongados principalmente. Mas, nas madrugadas, quando o sono acaba, viramos parceiras. Amigas soturnas a testemunhar gritos de pavor e dor de anônimos moradores irreconhecíveis à luz do dia, quando o glamour lhes invade a alma, e seguem em seus personagens purpuríneos.


Sons da avenida definidos, intensos e ora fugazes. Tornam outros sons em rabiscos, na penumbra, sombras perspicazes de gente. Histórias de um livro inacabado. Uma ‘forrest gump’ apresentando um Jesus também insone. Sonho com Ele em despertar igrejas que dormem! Quem sabe jovens que acompanhem seus pais num mero costume de domingo...


Chá de camomila com melissa e erva cidreira, adoçado com mel silvestre, ensinou-me uma irmã, não a olho que permaneça aberto. Insônia!

Descobri ser alérgica a lactose. Logo, o leite quente e docinho de minha mãe não tem mais sentido algum. Insônia!

Ler antes de dormir, seja um livro denso e filosófico, e ter todos os personagens ‘falando comigo’ a noite toda. Insônia!

Assistir um bom filme com música suave, cochilar no sofá. A seqüência nada romântica: errar a cama e acertar o joelho em qualquer coisa que antes não estava ali. Insônia!


Literalmente ‘fritar na cama’ de um lado para o outro e, de súbito ouvir um grito. Nenhum carro passando. Barulho de porta batendo. Um 'aí!' denuncia a agressão e a dor. Corpo se arrastando numa avenida sem fala. Levanto e vou orar: "Deus envia teu socorro nesta avenida"!


Onde moro? Na Avenida Industrial.

Onde o que parece ser não é e o que é nunca será igual.

Enfim adormeço no sono dos justos.


Maria Grizante