quarta-feira, 27 de abril de 2011

Anel de Tucum

“Eles podem esquecer o que você disse, mas nunca esquecerão como você os fez sentir-se”.


Carl W. Buecher


Sempre achei interessante o hobby de algumas pessoas que colecionam das mais diferentes coisas. Tesouros. Bizarrices. Quinquilharias arquivadas com cuidado, em prateleiras de madeira nobre ou caixotes de frutaria, antiga quitanda para os maiores de muitos anos.
Tesouros exibidos com certo orgulho. Tampinhas de garrafa antes de virar de plástico das antigas. Moedas. Notas de dinheiro antigo com valor de colecionador. Discos em vinil e CDs que ostentam a predileção e limitação do dono: nunca ouvirá tudo.

Sempre pensei em colecionar algo. Porém, devido à dificuldade em ter que dispor de verba, local adequado tanto para adquirir os pequenos mimos como guardá-los e conservá-los, desisti. Preferi colecionar lembranças e registrar estas memórias à tinta. Que na falta da cor de praxe, o azul, a vermelha, o verde, o preto ou até o bom grafite mesmo, cai muito bem! O que vale é o registro da “coleção”.

Parte desta minha coleção vem dos tempos de pré-adolescente, em que lia e ouvia falar de coisas e pessoas que não entendia muito bem, mas já adquiria e, como o filatelista, guardava em um compartimento especial de minha memória.

Das muitas histórias e personalidades que arquivei, está o Anel de Tucum e o seu, por assim dizer “dono”. Um bispo que devolve o seu anel de bispo e adota o anel de casca de árvore nativa da selva amazônica para simbolizar a sua opção preferencial pelos pobres. O anel, confeccionado no supra-sumo do rudimentar pelos índios que pedem licença para a árvore para não a machucarem e nem se ferirem tanto, uma vez que ela tem espinhos, vira então o adorno com significado: respeito à vida. Esta história sempre me encantou, pois retrata o amor que requer desafios em favor do outro, seja ele Gente, bicho ou planta.

Quando ele me reconheceu naquele domingo, Dia das Mães, quase não acreditei. Dez anos desde o primeiro contato, quando no hospital público deu entrada por ter sido vitimado por três tiros quando ‘trabalhava na avenida’. Um na região do abdome e dois na perna esquerda. Estes na altura do joelho e panturrilha. O vasculhar sentenciou: tem que amputar. Como dizer isso aquele moço de dezenove anos?
Sem aceitar o veredicto, e orou. Orou. Com tamanha intensidade que, como diria Teresa de Calcutá, "encheu os céus com as orações" e atingiu o coração de Deus.

Ali estava ele, dez anos depois, calça jeans e peruca loura. Blusa transparente por cima de uma mini blusa tentando combinar com a placa do Motel. Gosto duvidoso. Cabelo com tintura sem retoque e desgrenhado. Maquiagem borrada num rosto sofrido. Pomo de Adão saltava aos olhos. Exploração estampada num silicone decadente. Olhar cansado. Olhar que, apesar dos anos, me reconheceu e confidenciou a minha filha: "reconheci tua mãe pelos olhos”.

Foi assistido por Deus em sua dor. As orações fizeram incomodar o coração de outros que arcaram com o tratamento de Câmara Hiperbárica que reconstituiu os tecidos necrosados de membro inferior esquerdo. Suspensa a amputação. Fez lembrar a fé do centurião romano pedindo que a cura de seu servo. Cristão tem mesmo pouca fé...

Meu anel de Tucum é novo, externamente falando. Ganhei recentemente de amigos passageiros de um curso de verão. Desnecessário dizer que é só um adorno. A opção veio antes do anel. Retrata o óbvio: escolhi o que Deus escolheu primeiro, os pequeninos. Meu coração materno que explique o que com palavras, é impossível!

O calor daquele abraço num domingo de manhã, Dia das Mães, onde filhos já aguardam nas filas de restaurantes para almoçar e impressionar suas mães e até parentes e amigos, não tem preço ou gorjeta que paguem.


Pura gratidão em troca de compaixão.

É o próprio Evangelho sendo visto na ótica do Anel de Tucum, traduzindo a máxima do próprio Deus:

“Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo.”

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