segunda-feira, 11 de abril de 2011

AVENIDA INDUSTRIAL

“Todo cristão que aceita cegamente as opiniões da maioria e segue, por medo ou timidez, o caminho da conveniência ou da aprovação social torna-se mentalmente e espiritualmente num escravo”.



Martin Luther King



AVENIDA INDUSTRIAL


Desde sempre me incomodo com as diferenças sociais e as indiferenças institucionais. Jogando o lixo para debaixo do tapete de suas vaidades cheirando a mofo e antialérgicos as pencas a amenizarem os sintomas de seu desamor e indiferença. Absolvem-se arrecadando roupas usadas quando lhes convém, sal e fubá (sobras de cestas básicas) enviando para desvalidos, desabrigados e assemelhados. No ‘envelope’, lembretes a Deus: ‘tenho sido caridoso!’


Quando mudamos para a avenida mais conhecida da cidade, não por sua beleza, nos arredores do Parque Celso Daniel, nem pela divisa que faz com a famosa cidade que tem um dos IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) mais altos do país, pensávamos tão somente em casa com quintal para ter um cachorro e, facilitar a proximidade com o centro da cidade, facilitando acesso a escolas, trabalho, rede credenciada do convênio, passeios ao shopping e ao parque (nessa ordem). Igreja não incluída, pois não fazíamos parte de nenhuma denominação na época.


Não demoraram as críticas de familiares e amigos de que o local era promiscuo e perigoso para as crianças. A justificativa de que o aluguel mais em conta, e a facilidade de acesso a tudo, funcionava bem como argumento e, punha fim às críticas. Enfim, para quem estava sem carro, era literalmente uma ‘mão na roda’.


Logo, o ‘pessoal da rua’, passou a ser mero detalhe na paisagem da nossa nova casa. Assobradada com quintal na frente, que não ficávamos devido à movimentação intensa dia e noite, de carros em profusão nos vários pontos de prostituição existentes ao longo da avenida. Nos fundos, outro quintal. Com plantas, cachorras, espaço para brincar e (que luxo!) até lugar privilegiado e com sol pela manhã para montar piscina plástica nos dias de calor.


Não raras às vezes em que, ao chegarmos de madrugada de vigílias de oração promovidas pela igreja local encontrávamos penduradas no portão, bolsinhas ‘pink’, verde limão e outras sempre de cores fosforescentes descansando na nossa maçaneta. Após ‘bom dia’ amarelo e ainda sem sol seguido de pedidos de desculpas, entrávamos para o sono dos justos na certeza de que os anjos acampados, sequer cochilavam.


Na rotina diária de escola, maiores de transporte público e menores de transporte escolar, mal prestávamos atenção aos movimentos da avenida. Final de ano, inviável a transferência. Logo terminaria o ano letivo e, consequentemente a mudança de escola para uma mais próxima era certeza. Estudavam em período integral e, quando chegavam à tarde quase noite, com o jantar quase pronto, queriam contar tudo ao mesmo tempo do trajeto para a escola (ida e volta) e dos ‘travecos’. Repreendíamos a menor, que não era assim que deveria se referir, mas sim ao 'pessoal da rua' e já entenderíamos do que e de quem se tratava. Na mais absoluta inocência, e na ansiedade por contar sempre mais uma novidade, lá vinha à pequena dizer que: ‘mãe, eu vi ôôô... ’ E gaguejava. De novo: ‘mãe, eu vi ôôô... ’ E engolia. Na terceira tentativa saiu: ‘mãe, eu vi o pessoal da rua que é traveco!’

Nossa escolha foi ensinar incansavelmente que, ao se referirem ao ‘pessoal da rua’, deveríamos enxergá-los com o mesmo olhar de Jesus, pois Ele certamente, os enxergaria com Seu olhar de amor. E mais, deveríamos sempre lembrar de orar por eles. ‘E se a gente esquecer?’, perguntavam. O Espírito Santo nos fará lembrar. Ele, sempre nos fará lembrar.

Maria Grizante

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